sexta-feira, 26 de outubro de 2012

O começo

O começo de um dia como outro qualquer. Distraída, pensando na aula que teria naquela manhã, saí do banheiro e praticamente o atropelei. "Oh, I'm so sorry..." Não bastasse ir de encontro a ele, com a batida, me desequilibrei e acabei agarrando-o para me apoiar. Constrangida pelo ocorrido, não consegui dizer mais nada. Ele apenas sorriu, me disse um bom dia e entrou no banheiro. Finalmente, descobri quem mora no quarto ao lado, quem divide o banheiro comigo. Foi quando eu comecei a perceber o quanto ele é lindo. Alto, forte, rosto bem desenhado, voz impactante, um perfeito herói de romances de mulherzinha. Chegou, então, o momento em que eu ri sozinha, pensando que, apesar de ter pago mico, tirei uma casquinha dele nesse episódio de "intenso contato físico repentino" (o encontrão). Por alguns minutos, não consegui deixar de pensar em trocadilhos como "O pecado mora ao lado". Logo bateu a ansiedade, eu precisava contar para as minhas amigas! Mas só poderia fazê-lo mais tarde. O que será que ele está pensando de mim agora? Será que há alguma chance de ele ficar interessado? Quando o verei de novo? E esse também foi outro começo. O começo de uma desilusão. 

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Morgana


Hoje é aniversário da minha mãe, Morgana. Nada melhor do que postar um cartão de sapo de chocolate com o nome de sua mãe no dia do aniversário dela, certo?

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Cultura no Zorra Total!

O vídeo não é recente, mas é bom relembrar esse episódio.


O quadro, que é muito sem graça, ficou maravilhoso! Nem acreditei quando vi!

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Comentários sobre Júlio Verne e Os Sertões

Analisando a obra de Júlio Verne, não pude deixar de observar o quanto ele gostava de escrever sobre viagens. Gostaria de fazer alguns comentários sobre dois de seus livros.

Volta ao mundo em 80 dias - Muito bom! Ação, aventura, romance, tudo em um livro só! 
A história é totalmente diferente das adaptações para o cinema que eu conhecia.  
Leitura leve, bastante agradável e cativante. 

Obs.: A tradução da Martin Claret é um lixo, não compre.

Vinte mil léguas submarinas - Nem tão bom assim. Foi o primeiro livro a me inspirar a escrever uma sátira, que não cheguei a terminar: Vinte mil éguas subsaarinas. Como contei que me aconteceu no post sobre John Boyne, resolvi ler esse livro por ter gostado do anterior e acabei me decepcionando. 
Vinte mil léguas submarinas se torna cansativo em muitos trechos, como Os Sertões, de Euclides da Cunha. Também, da mesma forma que Os Sertões, tem partes interessantes, mas eu não recomendo. (Diferente de Os Sertões, que eu recomendo, especialmente se você é brasileiro.) A menos que você goste muito de livros sobre viagens e sobre mar. Caso você não tenha interesse especial nessa área e queira apenas ler algo do Júlio Verne, leia Volta ao mundo em 80 dias.

sábado, 29 de setembro de 2012

John Boyne

The Boy in the Striped Pyjamas x Mutiny on the Bounty


The Boy in the Striped Pyjamas
O menino do pijama listrado - 186 páginas - Companhia das Letras

Não se tornou um Best Seller por acaso. Trata do Nazismo de modo especial: com o olhar de uma criança.  É um livro de fácil leitura, apesar de profundo em sua reflexão. O autor consegue atingir seu objetivo, prende o leitor e o emociona com o final. Evito livros que me fazem chorar, mas não me arrependi de tê-lo lido. É realmente muito bom. Leia.


Mutiny on the Bounty
O garoto no convés - 496 páginas - Companhia das Letras

É prudente conhecer bem a obra de um autor antes de se aventurar com livros de mais de 400 páginas. Quanto maior o livro, pior a decepção se o livro for ruim. Especialmente, se você, como eu, não abandona livros pela metade. Pois bem, li O menino do pijama listrado e gostei. "Então, O garoto no convés deve ser bom também", pensei. Foi a segunda vez que me dei mal fazendo isso. (A primeira foi com Júlio Verne, mas depois falarei disso.)

O livro não é, nem de longe, tão bom quanto O menino do pijama listrado. Criei muita expectativa e acabei me frustrando. Não dá para dizer que o livro é ruim. (Stephenie Meyer que me perdoe, mas ruim mesmo é Crepúsculo.) Eu o classificaria como regular. Talvez eu o achasse bom se não tivesse criado expectativa nenhuma. Não sei. De qualquer forma, não posso dizer que recomendo esse livro, mas, caso você já o esteja lendo, ou queira muito ler, devo confessar que o final faz as quase 500 páginas valerem a pena.

Moral da história: Você só vai gostar se não esperar muito dele.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Por que não também o lado "A"?

Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que por admiração se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles. Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque - a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras - e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração. Como eles admiravam estarem juntos! Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.
Sábias palavras de Clarice Lispector, em Para não esquecer.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Lado "B" de Clarice Lispector


Estamos acostumados com os textos enigmáticos de Clarice Lispector. Ainda tenho uma vaga lembrança das minhas aulas de literatura do Ensino Médio, com o Professor André Luiz, onde este falava sobre o narrador refletorizado de A hora da estrela, uma voz além do narrador. Surpreendeu-me muito descobrir que Clarice também havia escrito artigos para revistas femininas. Como sou curiosa, tive de lê-los. E digo: são muito bons. Alguns, por curiosidade, outros, por serem realmente úteis. 

Aprendi a me perfumar com Clarice Lispector!

É uma leitura inegavelmente interessente, mais para mulheres do que para homens, mas estes também podem considerar esses escritos como material de interesse no caso de gostarem do trabalho da autora. 

domingo, 23 de setembro de 2012

Escola de Mulheres

Molière - 92 páginas - paz e terra

Escola de Mulheres é a história de um homem que tinha o que se pode chamar de fobia de ser corno. A ideia é boa, mas não seria suficiente para um livro longo, a não ser que Molière fosse Marian Keyes, rs. Como o livro é curto, não dá tempo de se entediar ou algo assim. Falando assim, parece até que o livro é ruim, pobre Molière! Não é nada disso. 
O livro é ótimo, inteligente e divertido. Digo o mesmo que disse quando falei sobre Noites Brancas: Quanto menos você souber, melhor. Apenas leia.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Noites Brancas

Fiódor Dostoievski - 96 páginas - L&PM

Não consegui acreditar que coube tanta coisa em tão poucas páginas. Só conseguia pensar Dostoiévski é realmente muito diferente de Jane Austen! Isso porque o poder de síntese dela é nulo, pobrezinha. A temática é leve, com direito a história de amor, com um estilo que lembra um pouquinho Molière em Escola de Mulheres. Prefiro não dizer muito porque, quanto menos você souber dessa história, mais vai gostar dela quando lê-la. 

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Mais spoilers de Casório?! A primeira noite de amor e o pedido de casamento

— O que foi? — sussurrou ele.  
— E se você me achar medonha? 
— E se você achar que eu sou medonho? 
— Mas você é lindo! — Dei uma risadinha. 
— Você também. 
— Estou tão nervosa — cochichei. 
— Eu também. 
— Não acredito em você. 
— Mas estou sim, sinceramente — afirmou ele. — Olhe aqui, sinta só os batimentos do meu coração. 
Aquilo me deixou cabreira. No passado, sempre que eu esticava a mão para sentir os alegados batimentos do coração de um rapaz, a minha mão era colocada sobre o membro ereto do tal rapaz, e depois esfregada para cima e para baixo ao longo do citado membro, em alta velocidade. Só que Daniel realmente colocou a minha mão sobre o seu coração. E, sim, era verdade. Parecia estar havendo um bocado de movimento dentro do seu peito. 
— Eu amo você, Lucy — disse ele. 
— Eu amo você também — afirmei, tímida. 
— Deixe eu lhe dar um beijo — pediu ele. 
— O.k. — Levantei o rosto, mas fechei os olhos. Ele beijou meus olhos, minhas sobrancelhas, foi beijando ao longo da minha testa, junto do cabelo, e depois veio descendo lentamente até o pescoço. Beijos leves e sedutores que quase não dava para agüentar de tão prazerosos. Então ele beijou o canto da minha boca e suavemente puxou meu lábio inferior com os dentes. 
— Pode pular a parte de me deixar com as costas arqueadas de prazer — reclamei — e me beije direito. 
— Bem, se a minha forma de beijar não está de acordo com as expectativas da madame... — E riu. Então fez aquele jeito maroto, com a boca torta, que ele sabia fazer tão bem. E eu o beijei. Não consegui me segurar. — Achei que você havia dito que estava nervosa — comentou ele. 
— Shh... — Coloquei meu dedo sobre seus lábios. — Quase me esqueci disso por um segundo. 
— Que tal se eu me deitar aqui na cama e você deitar bem aqui junto de mim, em meus braços? — perguntou ele, enquanto me puxava para trás, junto dele, por sobre a cama. — Isso é muito teatral para você? 
— Não, isso foi legal, embora tenha sido feito de forma desajeitada — disse eu para o peito dele. 
— Há alguma chance de você tornar a me beijar, Lucy? — sussurrou ele. 
— O.k. — sussurrei de volta. — Mas não quero nenhum movimento brusco e astuto de sua parte, como arrancar o meu sutiã de uma vez só, por exemplo. 
— Não se preocupe, Lucy, vou ficar só apalpando, de forma meio desajeitada. 
— E não me venha com essa de perguntar: "Ora, o que é isso, Lucy?", e fazer surgir as minhas calcinhas de trás da minha orelha. Entendeu? — perguntei, com a cara feia. 
— Mas esse era o meu truque especial — reclamou ele. — E a coisa mais espetacular que consigo fazer na cama. 
Tornei a beijá-lo e relaxei um pouco. Era maravilhoso ficar ali deitada, tão junto dele, inalando o cheiro de Daniel, tocando o seu rosto maravilhoso. Nossa, ele era muito sexy! 
— Você me ama mesmo? — tornei a perguntar. 
— Lucy, eu amo você tanto, tanto... 
— Não, quero saber se me ama no duro, de verdade mesmo. 
— No duro, sério, de verdade mesmo — disse ele, olhando-me nos olhos. — Mais do que já amei qualquer outra pessoa, mais do que você pode imaginar. 
Relaxei por um segundo. Apenas por um segundo. 
— Sério mesmo? — perguntei. 
— Sério. 
— Não, Daniel, estou perguntando na boa, é sério mesmo?
— Sério, sério! 
— O.k. 
Houve um curto silêncio. 
— Você não se incomoda de eu ficar perguntando toda hora, não é? — perguntei. 
— Nem um pouco. 
— É que preciso ter certeza total. 
— Compreendo perfeitamente. Você acredita em mim? 
— Acredito. 
Continuamos deitados, sorrindo um para o outro. 
— Lucy? — disse Daniel. 
— Que foi? 
— Você me ama de verdade? 
— Daniel, eu amo você de verdade. 
— Não, Lucy — disse ele, meio sem graça. — Eu quero saber se você me ama de verdade, sério mesmo. No duro, realmente? 
— Realmente, no duro, eu amo você, Daniel. 
— Sério? 
— Sério. 
Muito, muito devagar, ele começou a tirar as minhas roupas, conseguindo de forma magistral abrir zíperes e arrancar botões de pressão que eram difíceis de ser arrancados. A cada vez que abria um botão, me beijava por mais ou menos uma hora antes de abrir o seguinte. Ele me beijou em toda parte. Bem, quase em toda parte, graças a Deus ele deixou meus pés em paz. A Fergie, do conjunto Black Eyed Peas, ia ter muito que explicar: os homens pareciam achar que precisavam lamber os dedos dos pés das mulheres antes de completar suas tarefas na cama. Há alguns anos, a onda era cunni-lingus, que eu sempre achei a parte mais chata do sexo. Enfim, eu não gostava de homens chegando com a boca perto dos meus pés, a não ser que eu tivesse sido avisada com antecedência. Pelo menos com antecedência suficiente para ir à pedicure e dar uma caprichada. Ele me beijou, abriu botões, continuou me beijando e abaixou a minha blusa no ombro, só de um lado, tornou a me beijar, abaixou a blusa no outro ombro, me beijou de novo, não fez comentários sobre as manchas de tinta cinza nas minhas calcinhas brancas, me beijou novamente, disse que os meus seios não pareciam ovos fritos, tornou a me beijar, disse que eles pareciam pãezinhos de hambúrguer, me beijou de novo. 
— Você é tão linda, Lucy — dizia ele, sem parar. — Eu amo você. 
Até que fiquei sem roupa nenhuma. Havia algo de muito erótico em estar nua enquanto ele ainda estava completamente vestido. Cobri meus seios com os braços e me encolhi toda de lado, como uma bola. 
— Coloque seu instrumento para fora — disse eu, dando uma risadinha. 
— Você é tão romântica, Lucy — disse ele, tirando um dos meus braços de cima do peito, e depois o outro. — Não fique escondendo o seu corpo — pediu. — Você é linda demais! 
Com carinho, forçou meus joelhos a se afastarem do peito também. 
— Pára com isso — pedi, tentando esconder minha excitação. — Como é que pode?, eu estou aqui, sem um fiapo de roupa sobre o corpo e você ainda está todo vestido? 
— Posso tirar as roupas também, se você quiser — brincou ele. 
— Então tire — disse eu, tentando ser esperta. 
— Peça para eu tirar. 
— Não. 
— Então é você que vai ter de tirar minha roupa. 
E eu tirei as roupas dele. Meus dedos tremiam tanto que mal consegui abrir os botões da camisa. Mas valeu a pena. Ele tinha um peito lindo. Com a pele lisa e uma barriga perfeita, bem reta. Tracei a linha de pêlos que saía do umbigo dele com a unha, descendo até o cinto, e um arrepio me percorreu por dentro quando o ouvi gemer. Com o canto dos olhos, dei uma olhada rápida na parte da calça que ficava entre suas pernas e fiquei assustada e excitada, quando notei o jeito como o tecido estava esticado. Finalmente consegui reunir coragem suficiente para começar a abrir lentamente as suas calças. O problema é que eu não estava acostumada a homens que usavam terno. As calças de Daniel tinham um sistema de botões e zíperes tão complicado que rivalizava com o sistema de segurança de Fort Knox. Finalmente, conseguimos liberar sua ereção esticada por trás da cueca. Ele passou no teste das roupas íntimas. O que era bem mais do que o que se podia dizer das minhas. As calcinhas que eu estava usando já tinham visto dias melhores, a maior parte deles dentro da máquina de lavar, misturadas, por engano, com roupas pretas. Ele era lindo. E havia algo que o tornava ainda mais atraente para mim. Ele não era perfeito. Embora seu corpo fosse lindo, não era elaboradamente malhado, com a musculatura toda esculpida como a daqueles caras que passavam a vida na academia. A sensação de sua pele sobre a minha era indescritível. Tudo me parecia tão mais sensível! A pele da parte de dentro dos meus braços parecia formigar quando eu os envolvia nas costas dele. A sensação da firmeza de suas coxas em contato com a maciez das minhas me deixava toda mole, e sua ereção de encontro à minha umidade era explosiva. Todo o embaraço se fora. Apenas o desejo permanecera. Quando eu via o seu olhar, não sentia mais uma necessidade de rir histericamente. Havíamos conseguido ultrapassar a linha: não éramos mais Daniel e Lucy, éramos um homem e uma mulher. Não mencionamos controle de natalidade, mas, quando o momento chegou, nos comportamos como dois adultos responsáveis vivendo os tempos modernos do HIV positivo. Ele fez surgir uma camisinha e eu o ajudei a colocá-la. E então, nós... hã... vocês sabem. Ele gozou em menos de três segundos. Era de virar a cabeça, de tão erótico, ver o rosto de Daniel se contorcer todo em êxtase, êxtase provocado por mim. 
— De-desculpe, Lucy — gaguejou ele. — Não consegui me segurar. Você é tão linda, e eu a desejava há tanto tempo... 
— E eu achava que você fosse brilhante na cama — reclamei, para implicar com ele. — Nunca me disseram que você era uma mercadoria defeituosa, com ejaculação precoce. 
— Mas eu não sou — protestou, ansioso. — Isso não acontecia desde a minha adolescência. Deixe passar uns cinco minutos e eu vou provar isso pra você. 
Fiquei envolvida no círculo formado pelos seus braços e ele continuou com a constante cobertura de beijos, enquanto acariciava minhas costas, minhas coxas e o meu estômago. E em um espaço de tempo admiravelmente curto, conseguiu se preparar para fazer amor comigo novamente. A segunda vez levou séculos, e ele fez tudo de forma bem lenta, quase me levando à loucura, com toda a atenção focada apenas em mim, no que eu queria e sentia. Ninguém jamais fora assim tão generoso e desprendido comigo na cama. E atingi o clímax como jamais havia conseguido antes, estremecendo e vibrando involuntariamente, com os olhos arregalados de tanto choque e prazer. Dessa vez, quando ele gozou, manteve os olhos abertos e olhou para mim. Quase me dissolvi com aquilo de tão erótico que foi. Nós nos abraçamos fortemente, era como se não conseguíssemos ficar próximos um do outro o suficiente. 
— Gostaria de poder abrir a minha pele para colocar você todinha dentro de mim — disse ele. E também senti o que ele queria dizer. Ficamos em silêncio por algum tempo. — E então, até que não foi assim tão mau, foi? — perguntou Daniel. — Do que é que você estava com medo? 
— De um monte de coisas. — Ri. — De que você pudesse achar que eu tinha um corpo horrível. De que você pudesse me obrigar a fazer coisas estranhas. 
— Você tem um corpo lindo. E que coisas estranhas são essas? Sacos plásticos e laranjas? 
— Bem, não exatamente, porque você não é membro do Parlamento inglês, mas outras coisas.  
— Agora eu fiquei bolado. O que é que anda rolando por aí? 
— Você sabe — disse eu, meio sem graça. 
— Não sei não — afirmou ele. 
— Bem — expliquei —, é que tem alguns homens que falam assim, tipo "dá para você plantar uma bananeira, gata?... isso... não se preocupe com a dor, já me disseram que depois de um tempo fica mais fácil de agüentar. Agora, mantenha as suas pernas em um ângulo de cento e trinta graus uma da outra, porque vou tentar entrar por trás, e aí você vai poder mexer o corpo todo, fazendo um movimento de pinça, fechando mais ou menos oito graus, não, eu disse oito graus, você está fechando dez graus, sua burra, está querendo me matar?", esse tipo de coisa. 
Ele começou a rir sem parar, e isso foi maravilhoso também. E então, agora mais sonolentos e mais relaxados, fizemos amor de novo. 
— Que horas são? — perguntei, mais tarde. 
— Umas duas da manhã. 
— Você vai ter que trabalhar de manhã? 
— Vou. Você vai também? 
— Vou, acho que era melhor a gente tentar dormir um pouco — disse eu. Mas não dormimos. Eu estava morrendo de fome, então Daniel foi até a cozinha e voltou com um pacote de biscoitos de chocolate. Ficamos ali, deitados na cama, e comemos tudo, abraçados um ao outro, nos beijando e falando sobre muitas coisas e nada em particular. 
— Acho que eu devia entrar para uma academia — disse ele, com cara de lamento, espetando o estômago com o dedo. — Se eu soubesse que isto ia acontecer, teria começado a malhar há alguns meses. 
Isso, mais do que qualquer outra coisa, me fez sentir ligada a ele. Quando acabamos com os biscoitos, ele me ordenou: 
— Levante-se. 
Eu me levantei. Ele começou a sacudir o lençol com vigor, para limpar as migalhas. 
— Não aceito que a mulher que eu amo durma sobre migalhas de biscoito de chocolate — explicou. Enquanto eu sorria para ele, o telefone tocou e eu dei um pulo de quase um metro. Daniel atendeu. 
— Alô... Oi, alô, Karen... sim, na verdade eu estou na cama. Silêncio. 
— Lucy? — perguntou ele, lentamente, como se jamais tivesse escutado o meu nome. — Lucy Sullivan? Outro silêncio. — Lucy Sullivan, a garota que divide o apartamento com você? Essa Lucy Sullivan? Sim, ela está bem aqui, ao meu lado. Sim, isso mesmo, bem aqui ao meu lado, na cama — disse ele. — Você quer falar com ela? Fiz todos os tipos de gestos frenéticos de negação, formei uma cruz com os dois dedos indicadores e os segurei com firmeza, bem diante do fone. — Ah, sim! — respondeu Daniel, todo alegre. — Três vezes. Não foram três vezes, Lucy? 
— O que foram três vezes? — perguntei. 
— O número de vezes que nós fizemos amor nas últimas duas horas. 
— Hã... foi sim... três — disse eu, baixinho. 
— Foi sim, está confirmado, Karen... Três vezes. Mas estamos planejando fazer mais uma vez antes de o dia raiar. Há mais alguma coisa da qual você queira ser informada? 
Ouvi gritos e desaforos de Karen. Deu para ouvir até o barulho do fone sendo desligado, de tanta força que ela usou para batê-lo na cara de Daniel. 
— O que foi que ela disse? — perguntei. 
— Que espera que peguemos Aids um do outro. 
— Só isso? 
— Hã... sim. 
— Pára com isso, Dan, o que mais ela disse? 
— Lucy, não quero deixar você chateada... 
— Então, tem que me contar, agora. 
— Ela disse que dormiu com o Gus enquanto você estava saindo com ele. 
Daniel ficou olhando para mim com preocupação. 
— Isso a deixou chateada? 
— Não, estou mais é aliviada. Eu sempre senti que havia mais alguém. Mas, e você, ficou chateado? 
— Por que eu deveria ficar chateado? Eu não estava saindo com o Gus... 
— Não, mas estava saindo com Karen na mesma época em que eu estava saindo com o Gus. Se ela dormiu com o Gus, então... 
— Ah, entendi — disse ele, com uma cara alegre. — Isso quer dizer que ela me chifrou. 
— Você se importa? — perguntei, preocupada. — É claro que não me importo. Não ligo a mínima para o fato de Karen ter dormido com ele. Era você dormindo com ele que me deixava chateado. 
Continuamos em silêncio depois de nosso círculo de felicidade ter sido rompido. 
— Vou ter que me mudar de lá — disse eu, finalmente. 
— Pode se mudar para cá — ofereceu ele. 
— Não seja ridículo — reagi. — Estamos um com o outro há apenas três horas e meia. Não é um pouco cedo para começar com esse papo de morar junto? 
— Morar junto? — Daniel pareceu chocado. — Quem é que falou em morar junto? 
— Você. 
— Não, eu não! Tenho o maior medo da sua mãe para fazer uma sugestão como esta; viver em pecado com a sua única filha. 
— Bem, nesse caso, sobre o que você está falando? 
— Lucy — disse ele, meio sem graça —, é que eu estava... hã... você sabe... perguntando a mim mesmo se... 
— O quê? 
— Será que não haveria alguma chance...? Você sabe...? 
— Alguma chance de quê? 
— Você provavelmente vai achar que é muita ousadia de minha parte pedir uma coisa dessas, mas é que eu a amo tanto que... 
— Daniel! — implorei. — Por favor, me conte logo sobre o lance em que você está pensando.  
— Você não precisa me dar a resposta agora mesmo, nem nada assim, correndo. 
— Dar a resposta para o quê? 
— Pode levar o tempo que quiser pensando no assunto, leve séculos, se achar melhor. 
— Pensar EM QUE ASSUNTO? — berrei. 
— Desculpe, eu não queria deixar você tão irritada, mas é que eu, hã... bem... 
— Daniel, o que você está tentando me dizer? 
Ele fez uma pausa, respirou bem fundo e soltou, de uma vez só: 
— Lucy Carmel Sullivan, você aceita se casar comigo?

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Desfecho de Casório?!

"Você sabe que a última coisa que uma mulher deve dizer para o homem que ama é que ela o ama!", cantava o coro na minha cabeça, e clamava: "Especialmente quando ele não está apaixonado por você. — Eu sei! — reagi, desesperada. — Mas é diferente, comigo e com Daniel. Ele é meu amigo, ele vai me tirar dessa. Vai me lembrar do quanto ele é terrível com as namoradas. "Procure outra pessoa com quem desabafar", cantava o coro grego. "O mundo está cheio de gente, por que contar logo para ele?" — Ele vai me livrar da dor, vai fazer com que eu me sinta melhor. "Mas..." — Ele é o único capaz disso — disse, com firmeza e determinação. "Você não nos engana...", cantou o coro. "Sabemos que você está aprontando alguma." — Calem a boca, não estou, não — protestei. Eu conhecia bem aquela história vitoriana. "Ele não pode descobrir, jamais, o quanto o amo, pois não suportaria que ele sentisse pena de mim." Especialmente se o cara não fosse muito legal, começasse a rir do caso e contasse a história toda aos amigos, quando eles saíssem para caçar gansos. Mas nada daquilo se aplicava a mim, decidi. Não precisava manter a dignidade com Daniel. Quando ele abriu a porta para mim, senti-me tão feliz de vê-lo que meu coração deu um pulo. Droga, pensei, então é verdade mesmo, eu realmente estou apaixonada por ele. Corri direto para os seus braços. Ser amiga dele tinha um monte de vantagens das quais eu não tinha a mínima intenção de desistir só porque ele arranjara uma namorada nova. Pendurei-me no pescoço de Daniel com toda a força, e ele, justiça seja feita, me abraçou bem apertado. Ele deve ter achado que eu estava me comportando de modo muito estranho, mas, sendo o cara decente que era, não tocou no assunto. Eu ia explicar tudo a ele logo em seguida, decidi. Por enquanto, porém, queria ficar bem ali onde estava. Ele ainda era meu amigo, eu ainda tinha o direito de ser abraçada por ele. E por alguns momentos eu podia ficar ali, fingindo que ele era meu amante. 
— Desculpe por tudo isso, Daniel, mas preciso que você seja meu amigo neste momento. 
Mentira, é claro, mas não podia dizer "desculpe por tudo isso, Daniel, mas quero me casar com você e ser a mãe dos seus filhos". 
— Eu vou ser sempre seu amigo, Lucy — murmurou ele enquanto acariciava o meu cabelo. Grande coisa!, pensei, de modo amargo, mas só por um momento. Ele era um grande amigo. Não era sua culpa que eu fosse idiota o suficiente para me apaixonar por ele. Depois de algum tempo, senti-me forte o bastante para me desembaraçar dele. 
— Então, o que há de errado com você? — perguntou-me ele. — É alguma coisa com o seu pai? 
— Ah, não, nada desse tipo. 
— Tom? 
— Quem? Ah, não, coitado do Tom, não é nada com ele. Por que as pessoas por quem não nos apaixonamos sempre se apaixonam por nós, Daniel? 
— Não sei dizer, Lucy, mas é assim que as coisas são. 
E você não sabe nem metade da história, pensei, nervosa. Tomei fôlego e disse: 
— Daniel, preciso falar com você. 
Mas quando tentei contar a ele o que havia de errado comigo, não foi tão fácil quanto imaginei que seria. Na verdade, foi esquisito e embaraçoso. A idéia romântica que eu construíra de voar nos braços dele, esperando que me beijasse e magicamente acabasse com a minha dor, se evaporara, Ele tinha uma nova namorada, pelo amor de Deus! Eu não tinha direito algum sobre ele. O que poderia falar? "Olha, Daniel, quero que você termine com a sua nova namorada"? Claro que não! 
— Hã... Lucy, o que você quer falar comigo? — perguntou, depois que os segundos começaram a passar e eu continuava sem dizer nada, Fiquei olhando para minhas mãos durante séculos, tentando achar as palavras certas. 
— Charlotte me disse que você arranjou uma namorada nova, e eu fiquei... hã... com ciúmes — consegui soltar, finalmente. Não conseguia olhar para ele nos olhos e me encolhi toda. Talvez contar aquilo a ele não fosse uma boa idéia. Talvez fosse uma péssima idéia. Eu não devia ter ido até lá. Compreendi que só podia estar doída. Devia ter ido para a cama e esperado, quieta. A dor ia acabar passando. — Só porque ela é baixinha e tem cabelo escuro — acrescentei, depressa, em uma tentativa de recuperar um pouco do terreno e da dignidade perdida. Eu estava errada a respeito da dignidade: precisava manter a minha com ele. 
— Não tenho problemas quando você transa com louras peitudas, mas fico me lembrando o tempo todo daquela noite na casa do meu pai, quando você me dispensou e fiquei achando que era porque eu não era o seu tipo. Não me senti muito bem quando Charlotte contou que a garota nova que você conheceu se parecia um pouco comigo, porque fiquei pensando... O que havia de errado comigo naquela noite, então?... 
— Ah, Lucy. — Ele deu uma espécie de risada. Estava rindo de mim ou para mim? Aquilo era bom ou mau? — Acho que a Sascha realmente se parece um pouco com você — disse ele. — Eu nem tinha reparado, mas, agora que você mencionou o fato... 
Sascha. Tinha de ser um nome assim. Por que ela não podia se chamar Madge? 
— Enfim, era isso que havia de errado comigo — disse, falando depressa, em uma tentativa atrasada de recuperar o terreno perdido. — Nada de importante, reagi com exagero ao fato, como sempre. Você sabe como é que sou. Bem, de qualquer modo, foi bom desabafar. Agora, tenho que ir andando... Levantei-me para ir embora, e se tivesse saído naquela hora, naquele segundo, teria evitado a chegada da minha raiva. Mas não, acabamos nos encontrando bem na porta, e ela chegou cambaleando, suada e ofegante, cansada da longa jornada do outro lado da cidade. "Desculpe por ter me atrasado", disse ela, quase sem fôlego, apertando o peito. "O engarrafamento estava horrível! Mas, agora, cheguei!...", e, com isso, girei o corpo e fiquei de frente para Daniel, furiosa, dizendo: 
— Você podia ter me contado, sabia, que tinha arranjado uma namorada nova. Em vez de ficar me dando aqueles conselhos todos, aquela... bosta toda — joguei na cara dele — ... me dizendo que eu precisava começar a sair mais. Bastava apenas me avisar que eu estava atrasando o seu lado e que a Sascha precisava de você mais do que eu. Eu teria compreendido, sabia? Ele abriu a boca para falar alguma coisa, mas não deixei. — Se você me queria fora do seu caminho, era só falar. Você acha que eu ia me importar, que ia ficar cheia de ciúmes? Que presunção a sua! Você se acha lindo, não é? Acha que toda mulher é louca por você. Mais uma vez, ele tentou falar alguma coisa, parecia estar balançando a cabeça, tentando negar alguma coisa, mas ele não tinha a mínima chance. — Nós éramos para ser amigos, sabia, Daniel? Como é que você pôde fazer isso, ficar fingindo que estava preocupado comigo? Que se importava comigo? 
— Mas... 
— Quando é óbvio que a única pessoa com quem você se importa é com você mesmo! 
Essa é a parte, na maior parte das brigas, em que a troca de insultos aos berros se transforma em um lamentar choroso. E aquela não foi exceção. Dava para acertar o relógio de tanta precisão. Minha voz começou a vacilar, quase no final da escala de firmeza, e compreendi que estava perigosamente próxima de cair no choro. Mesmo assim, não fui embora. Como uma idiota, fiquei ali, parada, na esperança de que ele pudesse ser legal comigo, de que pudesse me dizer algo que fizesse com que eu me sentisse melhor. 
— Eu não estava fingindo — protestou ele. — Eu estava preocupado de verdade com você. Odiei aquele olhar de pena que senti em seus olhos. 
— Bem, pois não precisava — disse, com grosseria. — Sei cuidar de mim muito bem sozinha.
— Sabe mesmo? — Ele me pareceu pateticamente esperançoso, Que ousadia! 
— Claro que sei! — joguei na cara dele. 
— Isso é ótimo — disse ele. 
Como é que ele podia ser tão cruel?, perguntei a mim mesma, sentindo a dor me cortar ao meio. Era fácil para ele, compreendi, então. Muito fácil. Ele já havia feito isso um monte de vezes, com um monte de mulheres, por que eu receberia tratamento especial? 
— Adeus, Daniel! Espero que as coisas corram muito bem para você e a sua maravilhosa Sascha — disse eu, com sarcasmo. 
— Obrigado, Lucy, e desejo também toda a sorte do mundo para você e o seu rico Tom. 
— E por que você está sendo assim tão desagradável agora? — perguntei, surpresa. 
— Qual é o seu palpite a respeito? — Sua voz de repente aumentou em vários decibéis. 
— E como é que posso saber? — berrei de volta. — Acha que é a única que pode ter ciúmes? — gritou ele. Parecia furioso. 
— Sei que não — disse eu. — Só que, para ser franca, Daniel, não estou dando a mínima para os ciúmes de Karen neste instante. 
— Mas de que diabos você está falando? — perguntou ele. — Eu estou falando de mim, Estou louco de ciúmes também! Passei meses e meses esperando pelo momento certo, esperando que você conseguisse superar os problemas com o seu pai. Fiz tudo o que pude para impedir a mim mesmo de dar uma cantada em você. Tive tanta paciência que só faltava me matar. 
E fez uma pausa para tomar fôlego. Fiquei olhando para ele, sem conseguir falar. Antes de conseguir colocar tudo o que sentia para fora, ele começou a gritar de novo: 
— E então! — ele rugiu na minha cara. — E então, quando finalmente consegui convencer você de que já estava na hora de voltar a ter um relacionamento com um homem, você vai e sai com outro cara! Eu queria dizer que era eu. Queria que você pensasse em ter um relacionamento comigo, e, em vez disso, um cara riquinho, sortudo de uma figa, se dá bem com você. 
Minha cabeça girava enquanto eu tentava absorver tudo aquilo. 
— Espere um instante, dá um tempo aqui. Por que você está dizendo que Tom é um sortudo de uma figa? — perguntei. — Só porque ele é rico? 
— Não! — berrou Daniel. — Porque ele está saindo com você, é claro! 
— Mas ele não está saindo comigo — reagi. — Saí com ele apenas uma vez, e fiz isso só para deixar você chateado. Não que tenha funcionado. 
— Não que tenha funcionado? — soltou Daniel. — É claro que funcionou! Tomei um porre tão grande no domingo à noite que fiquei de ressaca na segunda e não fui nem trabalhar. 
— Sério? — perguntei, momentaneamente distraída pela informação. — Você ficou assim, tipo vomitando? Ficou assim tão mal? 
— Não consegui comer nada até terça à noite — disse ele. 
Houve um pequeno silêncio e, por um momento, éramos apenas Daniel e Lucy novamente. 
— E que lance foi aquele mesmo de você querer passar uma cantada em mim? — perguntei. 
— Nada, esqueça aquilo — disse ele, com a cara amarrada. 
— Conte logo! — berrei. 
— Não há nada a contar — murmurou ele. — É que simplesmente era muito difícil manter minhas mãos longe de você, mas eu sabia que era o que eu devia fazer, porque você estava vulnerável demais. Se alguma coisa tivesse acontecido entre nós naquele momento, eu ficaria eternamente achando que você tinha topado apenas por estar confusa. — Foi por isso que vim com aquele papo de trazer você de volta para o mundo dos vivos — continuou ele. — Queria que estivesse com a cabeça clara e tivesse condições de tomar decisões por si mesma, para que quando eu a convidasse para sair, e você aceitasse, eu não sentisse que estava me aproveitando da situação. 
— Me convidar para sair? — perguntei, cautelosa. 
— Para sair, para sair — disse Daniel, meio tímido. — Assim, feito namorado e namorada. 
— Sério? — perguntei. — Tá falando sério? Então aquele papo todo de que eu devia conhecer gente nova não era só para me tirar do caminho para a Sascha entrar? 
— Não. — Mas, então, quem é essa tal de Sascha, afinal? — perguntei, com ciúmes. 
— Uma garota do meu trabalho. 
— E ela é parecida comigo? 
— Acho que faz lembrar você um pouco. Embora ela não chegue nem perto de ser tão maravilhosa quanto você — comentou ele, de passagem. — Nem tão engraçada, nem tão sexy, nem tão linda ou inteligente. 
Fiquei sentada, muito quieta. Aquilo estava prometendo. Mas não o bastante. 
— Há quanto tempo você vem saindo com ela? — perguntei. 
— Mas eu não estou saindo com ela! — Ele pareceu chateado. — Mas a Charlotte disse que... 
— Por favor! — Daniel colocou a mão na testa, como se estivesse com dor de cabeça. — Aposto que Charlotte falou um monte de coisas, e você sabe o quanto gosto dela, mas nem sempre ela entende as coisas do jeito certo. 
— Então você não está saindo com a Sascha? — perguntei. 
— Não. 
— E por que não está? 
— Achei que não seria certo sair com ela sabendo que estou apaixonado por você. 
Meu cérebro entrou em estado de choque. As palavras chegaram muito antes dos sentimentos.  
— Oh... — disse eu, surpresa. Não conseguia achar nada para dizer. Para mim já teria sido bom o bastante se ele dissesse que gostava de mim. Nossa, isso era demais! 
— Eu não devia ter dito isso. — Daniel pareceu arrasado. 
— Por que não? Não é verdade? 
— É claro que é verdade! Não saio por aí dizendo para um monte de mulheres, a torto e a direito, que estou apaixonado por elas. Só que não quero deixar você assustada. Por favor, Lucy, esqueça o que falei. 
— Não esqueço não — disse, irritada. — Essa é a coisa mais legal que alguém já falou para mim. 
— É mesmo? — perguntou ele, esperançoso. 
— Quer dizer que você também... 
— Sim, sim... — E abanei a mão, distraída. Queria um tempinho para me concentrar no que ele me dissera. Não podia ficar dando atenção a ele. — Eu amo você também — acrescentei. — Acho que o amo há séculos. 
Felicidade e alívio começaram a me formigar por dentro, aumentando de intensidade até se transformar em um fluxo constante, para finalmente jorrar como se estivesse escorrendo por um cano quebrado. Mas eu precisava ter certeza. 
— Você está mesmo apaixonado por mim? — perguntei, meio desconfiada. 
— Ai, meu Deus, estou! 
— Desde quando? 
— Há muito tempo. 
— Desde a época do Gus? 
— Desde muito antes do Gus. 
— E por que você nunca me contou isso? 
— Porque você ia se acabar de tanto rir, ia me zoar, me humilhar e... 
— Eu não faria isso — repliquei, ofendida. 
— Ah, faria sim. 
— Faria? 
— Sim, Lucy. 
— É... talvez fizesse mesmo — concordei, relutante. — Puxa, desculpe, Daniel — precisava me desculpar muito com ele —, mas eu tinha que ser má e implicante com você, porque você é atraente demais! E isso é um elogio — acrescentei. 
— Sério? — perguntou ele. — Mas todos os caras com quem você saía eram completamente diferentes de mim. Como é que eu podia competir com um cara como o Gus? 
Ele tinha razão. Até há bem pouco tempo eu não suportaria um namorado que não tivesse um terrível problema de falta de grana e não bebesse demais. Refleti um pouco mais sobre isso. 
— Você está mesmo, de verdade, apaixonado por mim, Daniel? 
— Sim, Lucy. 
— Não, estou falando apaixonado a sério? 
— Sim, a sério. 
— Bem, nesse caso, será que podemos ir para a cama?

sábado, 15 de setembro de 2012

Casório?!

Lucy Sullivan is getting married (título original)
Marian Keyes - 641 páginas - Arrow Books

Enquanto estiver lendo esse livro, NÃO LEIA A ÚLTIMA PÁGINA!
Mesmo. Lembre-se de quem avisa amigo é. Eu li a última página e isso me roubou parte do prazer da leitura desse livro. No entanto, o livro é tão tão tão bom, que ter lido o final não me impediu de me divertir com o livro. 

Em qualquer sinopse de Casório?! você fica sabendo que Lucy Sullivan vai a uma cartomante, que diz a ela que vai se casar em um ano, ou "em até dezoito meses, para garantir." Fica sabendo também que Lucy está solteiríssima quando recebe essa previsão, embora as sinopses apresentem alguns pretendentes possíveis. 


Na primeira vez que vi esse livro, confesso que só parei para prestar atenção nele por causa da capa. A capa brasileira é realmente atrativa, como também acontece com os outros Marian Keyes. Até achei a história interessante, mas o livro estava realmente caro, então, o preconceito que eu tinha com a autora falou mais alto. (Costumo ter um pé atrás com autores Best Seller.) Isso mudou quando encontrei o livro pela metade do preço em Oxford (claro que a edição não era tão bonita quanto a brasileira, mas economizar R$ 30 é sempre bom). Antes de começar a ler, eu me perguntava como essa história pode ter rendido quase 700 páginas?

O que torna Casório?! um bom livro não é exatamente a história. Afinal, história como essa há um monte por aí. Não, a diferença é o estilo de Marian Keyes! Ela escreve muito bem. A leitura se torna rápida, mas não como se você folheasse uma revista chata, apenas olhando as fotos. Não! Você não vai querer pular uma linha sequer quando estiver lendo esse livro (caso contrário você vai perder as piadas). A leitura flui, com a garantia de uma gargalhada atrás da outra. E o melhor de tudo: você ri quando a intenção é que o leitor ria, diferente do que acontece com alguns livros de Patricia Cabot e Amante da Fantasia, onde a catarse esperada não é essa. Apesar do grande número de páginas, a leitura não cansa nem um segundo sequer. 

Talvez você não goste de Lucy. Eu mesma a detestei. Ela faz uma burrada atrás da outra, trata mal quem a trata bem, trata bem quem a trata mal, etc etc. Diria que seu fim foi muito melhor do que ela merecia e fiquei um pouco triste por quem ficou com ela no final. Uma coisa é certa: o desfecho do livro confirma a teoria de Sherry Argov, autora de Por que os homens amam as mulheres poderosas? e Por que os homens se casam com as mulheres poderosas?, a propósito, dois livros muito bons.

— Karen e DANIEL? 
— Hã... sim. — Esqueci que Dennis tinha uma queda por Daniel. 
— A Karen que mora aqui? Karen McHaggis, ou sei lá qual é o nome escocês ou caledônio que ela tem? — Dennis não gostava de Karen, agora ia gostar menos ainda. 
— Sim, essa Karen .  
— Com Daniel, o meu Daniel?  
— Se é sobre o Daniel Watson que você está falando, então é o seu Daniel. 
— Ai, meu Deus, isso agora me arrasou! — Ele parecia muito abalado. — Preciso de um drinque! 
— Tem uma garrafa de alguma coisa bem ali. 
— Onde? 
— Ali, na estante. 
— Ai, vocês são tão pobres! Guardando a bebida na estante de livros. 
— Ué, o que podemos fazer? Nós não temos livros, precisamos guardar alguma coisa ali... 
Ele procurou pelas prateleiras e disse: 
— Não consigo achar... 
— Tinha certeza de que estava aí mais cedo. 
— Pois não está aqui agora. 
— Talvez Karen e Daniel tenham bebido. Desculpe, desculpe — disse, depressa, quando o vi franzir a testa de novo.  
— Pode acreditar, esse namoro não vai durar muito. — Sua voz estremeceu ligeiramente. — Ele é gay, sabia? 
— Mas você fala isso de todo homem, no universo inteiro. 
— Daniel é, mesmo. Mais cedo ou mais tarde vai enxergar a luz. E quando isso acontecer, eu estarei lá. 
Para mais de Casório?! clique aqui

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Guias visuais Publifolha

Guias de viagem também são livros, certo? rs

Usei o Guia visual Inglaterra, Escócia e País de Gales (Dorling Kindersley - 672 páginas - Publifolha) em minha viagem para Inglaterra e França, em Junho/Julho deste ano, e devo dizer que ajudou muito. É um guia caro, sim, mas vale a pena. Inclusive, pretendo comprá-lo para as próximas viagens internacionais que eu fizer. O guia é fantástico e cumpre o prometido: mostra o que os outros apenas contam!

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Com quem devem se casar as filhas de Zelofaade?

Pr. Jonas Neves de Souza - 87 páginas - Obra Santa Editora

"Livro evangélico sobre casamento", foi o que pensei. Quando recebi (emprestado) esse livro, pensei que o que estava diante de mim era uma descrição de um bom partido para meninas crentes; um daqueles guias do que não fazer, tipo não namore alguém que não goste da sua família, etc etc...

Não. Eu estava errada. O livro, apesar de curtinho, é brilhante. O autor se baseia no capítulo 36 do livro de Números para desconstruir a ideia da pessoa certa. Muitos veem o amor da sua vida, a pessoa certa, como uma pessoa específica, isto é, você só poderia ser feliz casando-se com aquela pessoa. Dessa forma, só teríamos uma escolha certa e todas as outras seriam a escolha errada. O autor desconstrói essa ideia mostrando que, na verdade, há muitas escolhas certas.

Na época de Moisés, a herança costumava passar de pai para filho e as filhas não tinham direito a herança. Zelofaade havia morrido e deixado só filhas. Houve uma modificação na lei e as filhas passaram a ter direito a herança também (Números 27). Logo, houve um impasse, porque a herança não poderia ser transferida entre as tribos e, caso as filhas de Zelofaade casassem com rapazes de outras tribos, isso aconteceria. Surge, então, a pergunta que se tornou o título desse livro. O esperado era que Deus apontasse os rapazes com quem as moças deveriam casar, mas não é isso o que acontece. Deus ordena que as meninas casem com rapazes que sejam da tribo de seu pai, para resolver o problema da herança, mas as deixa livres para escolher quem as agradasse. Concluindo, no caso delas, a pessoa certa é qualquer pessoa (da tribo de Zelofaade) que "agradar aos olhos". Revolucionário, não?

Isto é o que o SENHOR mandou acerca das filhas de Zelofeade, dizendo: Sejam por mulheres a quem bem parecer aos seus olhos, contanto que se casem na família da tribo de seu pai.  (Números 36:6)

domingo, 9 de setembro de 2012

Jô Soares entrevista Gabriel Louchard em 30/03/2012

Não é crime, nem pecado, falar de humor e arte em um blog de livros, principalmente tratando-se de conteúdo de qualidade. A quem discordar de mim, digo apenas que a primeira pedra deve ser atirada por aquele que não tem pecado. 

Enfim, esse post é só para falar de Gabriel Louchard, um jovem comediante brasileiro. Seu estilo é uma mistura de comédia Stand up com truques de mágica. O resultado, pelo menos para mim, ficou muito bom. Tenho que admitir que conheço pouco sobre ele, mas só pela entrevista no Programa do Jô já dá para se divertir bastante. Dê uma olhadinha:


sexta-feira, 7 de setembro de 2012

De volta à questão da originalidade


O que foi, isso é o que há de ser; e o que se fez, isso se fará; de modo que não há nada de novo debaixo do sol. Há alguma coisa de que se possa dizer "vê, isto é novo"? Já foi nos séculos passados, que foram antes de nós. (Eclesiastes 1:9-10)

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Percy Jackson e o ladrão de raios

Rick Riordan - 385 páginas - Intrínseca 

Já vi esse filme. E você? Uma série de livros que acabou indo para as telas. A história se passa em um mundo paralelo, que humanos comuns não podem enxergar, mas que está entre nós. (Esse mundo é criado pelo autor a partir do desdobramento de lendas pré-existentes.) A história de um menino... Coisas estranhas começam a acontecer, coisas que ele não consegue compreender... Então, pouco depois da sua primeira década de vida, descobre ser algo que nunca imaginou que poderia ser, algo que nunca acreditaria que existisse... É levado para um lugar especial, onde está, inicialmente, seguro e onde pessoas como ele são treinadas e ensinadas. Ele tem as habilidades do pai e uma ligação forte com sua mãe, que, a propósito, morreu tentando salvá-lo. Há uma profecia! Ele é o escolhido! Tem uma missão arriscadíssima, que só ele pode cumprir e que livrará tanto eles quanto os humanos comuns de um grande mal... E, para essa missão, um trio... Uma menina muito inteligente que está sempre carregando um livro, o próprio protagonista e um outro personagem que não ajuda muito, mas por alguma razão o protagonista tem grande afeição por ele. Eles até tem um "Boné da Invisibilidade"! 
Creio que não preciso continuar...


Publiquei essa resenha em meu perfil no SKOOB, em 29 de Janeiro desse ano. 
Achei interessante publicá-la aqui também.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Reafirmando a padronização


O vídeo é extremamente engraçado, mas mostra uma realidade. 
Como eu disse anteriormente, no post "O trio padrão e a literatura fast food", tudo tem sido padronizado. E depois dizem que nessa sociedade temos direito de escolha.
É claro que temos: podemos escolher qualquer cor, desde que seja preto.

sábado, 1 de setembro de 2012

O trio padrão e a literatura fast food

Surpreendentemente, Fúria de Titãs 2 foi melhor que o primeiro filme, pelo menos para mim. Fico me perguntando o porquê de mudarem a atriz que faz a Rainha Andrômeda... Bem, de qualquer forma, achei o 2 mais interessante e mais bem feito que o 1. É claro que ser mais bem feito é justificável pelo tempo que se passou e as novas tecnologias que surgiram. Mas não é sobre isso que vim falar.


Atenção! A parte seguinte do texto pode ser considerada uma zona de spoilers!
Fúria de Titãs 2 tem o mesmo padrão de personagens principais que Piratas do Caribe, A lenda do tesouro perdido, Harry Potter e, obviamente, Percy Jackson e o ladrão de raios (obviamente porque PJ é uma cópia, esculpida em mármore carrara, para não dizer cuspida e escarrada, de HP). Que padrão misterioso é esse? É simples: o cara legal + o esquisito + a garota, que normalmente é bonitinha. Comparando Piratas do Caribe e Fúria de Titãs 2 a coincidência é ainda maior: as garotas dos dois filmes são atrizes de Orgulho e Preconceito, em que representam Lizzie e Jane Bennet, respectivamente. Normalmente, a garota é par romântico do cara legal, como também acontece em A lenda do tesouro perdido que, a propósito, é um ótimo filme. Esse padrão já foi tão intubado pelos leitores, telespectadores e etc, que já esperamos que a garota vá ficar com o cara legal. Prova disso é a revolta de alguns fãs de Harry Potter diante do gosto duvidoso da Hermione. É claro que o esperado foi que ela ficasse com o Harry, afinal é isso que manda a lógica literária global. No entanto, esse conceito está se transformando. 
Depois da reviravolta causada pela J. K. Rowling, ao juntar Hermione e Ronald, deixando para Harry um par romântico muito mais improvável, muitos escritores foram atrás e, na busca pela originalidade, acabaram indo pelo mesmo caminho, mantendo o mesmo trio padrão, mas modificando alguns detalhes. O cara legal e o esquisito ficaram mais próximos. Por mais que continuem diferentes, se aproximaram no que se refere aos graus de esquisitice, de beleza e de "ser legal". Nas sagas Crepúsculo e Jogos Vorazes, por exemplo. Na primeira, os rapazes são igualmente esquisitos. Na segunda,  os rapazes são igualmente legais. Quanto à beleza, as autoras têm se preocupado em atender ao público adolescente, o que é uma pena, já que a tendência é que os personagens fiquem cada vez mais esteticamente iguais. Isso é realmente notado quando colocamos em uma linha do tempo HP, Crepúsculo e Jogos Vorazes. Eu, que assisti Jogos Vorazes no avião, naquela minúscula telinha da British Airways, tive de prestar muita atenção para não confundir os atores. É claro que eu tinha alguns detalhes ao meu favor, uma vez que um dos rapazes estava no jogo e o outro, não; mas a semelhança é inegável.
É claro que a padronização é algo que faz parte da nossa sociedade capitalista. Desde Ford, que deixava seus clientes escolherem a cor de seus carros, desde que fosse preto, todo tem sido padronizado. Há muito tempo temos visto isso em relação aos padrões de beleza, mas é lastimável que isso tenha chegado aos livros. E a criatividade? A originalidade? O desafio mental? Livros de rápida leitura, aparentemente diferentes, mas todos iguais, e, o pior, tão nutritivos para a mente quanto um BigMac é para o nosso organismo.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Fly Jane Eyre to the moon

Eis o meu trecho favorito de Jane Eyre, onde o Sr. Rochester (o Mr. Darcy à la Brontë) dá uma de Frank Sinatra em Fly me to the moon
— [...] eu vou levar mademoiselle para a lua, e ali buscarei uma caverna num dos vales brancos entre os cumes dos vulcões, e mademoiselle viverá comigo lá, só comigo. 
— Ela não terá nada para comer; o senhor vai matá-la de fome — observou Adèle. 
— Apanharei maná para ela de manhã e de noite: as planícies e encostas da lua estão brancas de maná, Adèle! 
— Ela precisará de se aquecer: que usará para fazer uma fogueira? 
— O fogo brota das montanhas lunares; quando ela tiver frio, eu a carregarei para um pico, e a depositarei na beira de uma cratera. 
Oh, qu'elle y será mal... peu confortable!* E as roupas dela, que se gastarão, como poderá conseguir novas? 
* Oh, como ela ficará mal, lá... pouco confortável! (N. do T.) 
O Sr. Rochester admitiu que estava enrascado. 
— Hem! — disse. — Que faria você, Adèle? Esprema o cérebro para arranjar um jeito. Que tal uma nuvem branca ou rosa para um vestido, hem? E podia-se fazer uma bela echarpe com um pedaço do arco-íris. 

(É claro que há versões melhores, mas preferi deixar aqui uma do Frank Sinatra.)

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Jane Eyre

Charlotte Brontë - Jane Eyre (título original)

Para fazer Jane Eyre, eu daria a seguinte receita:

  • A história de amor de Orgulho e Preconceito;
  • O tormento do fantasma da primeira esposa de Rebecca;
  • Um pouco de sofrimento, presente em Morro dos ventos uivantes

Não acho que as obras em questão sejam comparáveis, uma vez que possuem focos diferentes. Contudo, pode-se fazer correlações entre elementos presentes nessas obras. A infância de Jane Eyre inevitavelmente me fez lembrar da infância dos intensos personagens de O morro dos ventos uivantes. Confesso que até pensei, "que droga, aquele melodrama de novo; querer um final feliz é pedir demais?". Como as autoras são irmãs, pensei que Charlotte tivesse o mesmo gosto pelo sofrimento humano de Emily, mas a semelhança entre elas é outra. Como sua irmã Emily, a autora de Jane Eyre sabe conduzir o leitor na narrativa. Em um momento, o leitor sofre com a protagonista; em outro, ela esquece seu sofrimento e o mesmo faz o leitor. Apesar de ter algo de Orgulho e Preconceito, com um Mr. Darcy à la Brontë, não é previsível como os romances de Jane Austen. 
O que relaciona Rebecca e Jane Eyre (menciono aqui os romances e não as personagens) é somente o contexto da outra mulher. O foco de Jane Eyre não é esse, embora seja o caso de Rebecca. Além disso, a atitude das segundas esposas em questão é totalmente diferente. Jane é mesmo muito diferente da segunda Mrs de Winter. O interessante é que, na minha edição de Rebecca (Virago Modern Classics, 441 páginas), Jane Eyre é citado. 

O que eu acho mais fantástico em Jane Eyre é que a autora encontrou o equilíbrio perfeito entre o tudo-dando-certo, de Jane Austen, e o tudo-dando-errado, presente em Morro dos ventos uivantes. O que eu quero dizer é que não é água-com-açúcar, mas também não é lágrimas-com-fel. Ou seja, é exatamente a vida como ela é. Jane tem momentos bons e momentos ruins, assim como você e eu. Apesar de alguns elementos incomuns, o leitor se sente como se estivesse diante da vida de uma pessoa real, com altos e baixos. 
Outra coisa fantástica em Jane Eyre é a imprevisibilidade. Quando passei da metade do livro, ainda não tinha a menor ideia do que aconteceria. Realmente é um ótimo livro.

domingo, 26 de agosto de 2012

Rebecca, de Daphne du Maurier

É obrigação de todo bookaholic que se preze ler o livro que tenha como título o seu nome, pelo menos o mais famoso deles. De início, relutei para ler o clássico de Daphne du Maurier. Isso porque até então eu tinha lido sinopses muito ruins, que davam a impressão de se tratar de uma história de fantasmas, suicídio, mansão mal-assombrada e tudo o mais. Um tempo depois, minha vontade de ler um livro com meu nome superou essa má impressão, então, comprei o livro e comecei a ler.

A história se passa na primeira metade do século XX. Os primeiros capítulos fazem parecer que o livro vai ser realmente bom. A heroína, que é a própria narradora, se apresenta gradualmente: uma inglesa sem nome (a autora preferiu não mostrar o nome verdadeiro da personagem, que apenas menciona que seu nome é frequentemente escrito de maneira errada), que trabalha como uma espécie de dama-de-companhia para uma mulher desagradável, Mrs. Van Hopper. Ficamos sabendo que nossa heroína é relativamente pobre, não tem o que se possa chamar de família e tem 21 anos. A história então, começa a se desenrolar.

Viajando pela França com Mrs. Van Hopper, a nossa heroína sem nome conhece o Mr. de Winter, um viúvo todo misterioso de 42 anos, bonito e muito rico, que coincidentemente estava hospedado no mesmo hotel que elas. Eles começam a sair juntos, sem que Mrs. Van Hopper saiba, aproveitando alguns dias em que esta esteve doente. Um belo dia, tendo sua saúde reestabelecida, de repente, não mais que de repente, a mulher decide ir para Nova Iorque. Levando a dama-de-companhia, obviamente. Temos, então, aquele choradeira toda, tadinha de mim, vou ficar longe do meu amor, etc etc.

O dia seguinte chega e, para piorar,  Mrs. Van Hopper decide antecipar a passagem de trem. E que tortura para nossa heroína! Mrs. Van Hopper manda ela mesma fazer isso. Desesperada, a pobrezinha sai do quarto da Mrs. Van Hopper e vai direto para o quarto do Mr. de Winter. Uma mocinha sozinha em um quarto de hotel com um viúvo na década de 1930? Apesar de inexpressiva, um pouco de ousadia nossa heroína tem. Confesso que ri bastante nessa parte. De um lado ela, muito nervosa, tendo que lidar com a separação e, ainda, com muita pressa, porque a intenção dela era somente se despedir; de outro, ele, muito calmo, deixa claro não estar nem com um pingo de pressa e praticamente dá um chá de cadeira nela.

Nesse caso, libertar-me-ia de todo o constrangimento e recato. Atirei com a porta da sala e subi apressadamente as escadas até ao terceiro andar. Sabia o número do quarto dele. Era o 148. Bati à porta insistentemente, muito corada e ofegante. 
— Entre! — gritou. 
Abri a porta, sentindo que a coragem me abandonava. Estava a barbear-se, junto da janela aberta. Tinha um casaco de pêlo de camelo sobre o pijama. Senti-me mal vestida com o meu fato de flanela de lã e os sapatos grossos. Não passara de uma tonta quando dramatizara a situação. 
— Que quer? — perguntou. — Aconteceu alguma coisa? 
— Venho dizer-lhe adeus. Partimos hoje de manhã. Ficou a olhar para mim. Depois, colocou a máquina de barbear no lavatório: 
— Que está a dizer? — É verdade. Partimos hoje. Estava combinado que seguiríamos no segundo trem, mas Mrs. van hopper agora quer apanhar o primeiro. Receei não poder voltar a vê-lo. 
As palavras atropelavam-se umas às outras: 
— A nossa partida foi decidida ontem. A filha embarca para Nova Iorque no sábado e nós vamos acompanhá-la na sua viagem. 
— Mrs. van hopper vai levá-la para nova iorque? 
— Sim, e contra a minha vontade. Vou detestar tudo aquilo. 
— Então, porque diabo vai com ela? 
— Bem sabe que tenho de ir. Preciso trabalhar. 
— Sente-se, — ordenou-me. — não me demoro. Vou vestir-me no banheiro. 
Pegou a roupa, que estava numa cadeira, atirou-a para o chão do banheiro e entrou batendo com a porta. Dentro de cinco minutos estava pronto. 
— Venha comigo até ao terraço enquanto tomo o café da manhã — disse. 
Olhei para o relógio. — Não tenho tempo — respondi. 
— Não se preocupe com isso. Preciso lhe falar. 
Descemos no elevador e saímos para o terraço, onde havia mesas preparadas para o café da manhã. 
— Que quer tomar? — perguntou-me. 
— Nada, obrigada. já tomei o meu café da manhã. 
— Traga-me café, um ovo cozido, torradas e uma tangerina — ordenou ao criado. Depois virou-se para mim: 
— Então, quer dizer que Mrs. Van Hopper quer voltar à sua terra. Eu também. Ela para Nova Iorque, eu para Manderley. Qual prefere? Pode escolher. 
— Não brinque, é desleal. 
— Se pensa que sou daquelas pessoas que tentam fazer-se engraçadas ao café da manhã, está enganada — prosseguiu. — Repito: Ou vai para a América com Mrs. Van Hopper ou vem comigo para Manderley. 
— Quer dizer que precisa de uma secretária ou qualquer coisa semelhante? 
— Não, estou a pedir-lhe em casamento, sua boba. 
O criado apareceu com o café da manhã. Sentei-me com as mãos no colo. 
— Não compreende — retomei quando o criado se afastou — que não sou a espécie de pessoa com quem um homem queira casar? 
— Que diabo quer dizer com isso? — perguntou, olhando-me fixamente. 
— Não sei bem — respondi lentamente. — Por exemplo, não pertenço ao seu meio. 
— Qual é o meu meio? 
— Bem... Manderley. Sabe o que eu quero dizer, não é verdade? 
Ele serviu-se da compota. — Sou eu que devo decidir se pertence a Manderley ou não. Pensa que lhe estou a falar neste assunto forçado pelos acontecimentos, não é verdade? Porque sei que não quer ir para Nova Iorque. Julga que lhe peço que case comigo pela mesma razão pela qual imaginava que a levava a passear de automóvel, ou seja, por caridade, não é assim? 
— É verdade. 
— Um dia — continuou, barrando bem as torradas, — compreenderá que a filantropia não é uma das minhas qualidades básicas. Mas não respondeu à minha pergunta. quer casar comigo? 
Nunca considerara esta hipótese, nem mesmo nos momentos em que imaginava as coisas mais absurdas. Uma vez, durante um dos nossos passeios, começara a arquitectar uma história desconexa onde ele aparecia muito doente, penso que a delirar. Mandava-me então chamar e eu ia tratá-lo na sua doença. estava precisamente na altura em que eu lhe perfumava a cabeça com água-de-colónia quando chegámos ao hotel, ficando assim interrompida a minha história. Esta súbita alusão a casamento aturdia-me, penso mesmo que quase me escandalizava. Era como se um príncipe pedisse a minha mão. Soava falso. Nos romances, os homens ajoelhavam-se aos pés das mulheres e havia luar. Estas coisas não aconteciam no café da manhã e nunca desta maneira. 
— Parece-me que não lhe agrada muito a minha sugestão. — acrescentou. — Peço desculpa mas pensei que gostasse de mim. Sinto-me ferido no meu amor-próprio. 
— Mas eu gosto de si, gosto terrivelmente. Chorei toda a noite, sentindo-me muito infeliz, a pensar que não voltaria a vê-lo. 
Ao ouvir-me riu-se e estendeu-me a mão. — Deus a abençoe pelo que disse. É uma pena que tenha de crescer. 
Senti-me envergonhada e também zangada com o seu riso. Quer dizer que as mulheres adultas não diziam estas coisas aos homens. 
— Então está resolvido, não é verdade?  — perguntou-me enquanto continuava a tomar o café da manhã. — Em vez de servir de companhia a Mrs. Van Hopper faz companhia a mim. Tal como ela, também gosto de requisitar livros novos nas bibliotecas, de flores na sala e de jogar o besigue depois de jantar: e de alguém para me servir o chá. 
Eu tamborilava com os dedos sobre a mesa, sentindo-me indecisa tanto por mim, como por ele. Levantou os olhos e notou a ansiedade que transparecia no meu rosto. 
— Estou sendo um pouco rude, não acha? Este pedido de casamento não aconteceu, de maneira alguma, como imaginara nos seus sonhos. Devíamos estar num jardim-de-inverno. O seu vestido seria branco e teria uma rosa na mão. Ouvir-se-ia um violino tocar uma valsa cujos acordes se perdiam na distância. E, abraçando-a, beijá-la-ia apaixonadamente junto de uma palmeira. Pobre querida! Não se preocupe. Iremos a Veneza passar a nossa lua-de-mel e, de mãos dadas, deslizaremos numa gôndola pelos canais. Mas não ficaremos lá por muito tempo, pois quero mostrar-lhe Manderley. 
Desejava mostrar-me Manderley... E subitamente compreendi que tudo isto ia acontecer. Seria a sua mulher. Juntos percorreríamos o jardim, lado a lado desceríamos vagarosamente a vereda que conduzia à praia. Dei, por fim, livre curso à imaginação. Vultos tomaram forma no meu espírito. As mais variadas cenas perpassaram diante dos meus olhos. E durante todo este tempo, ele continuava a comer uma tangerina, dando-me um gomo de vez em quando e perscrutando o meu rosto. Eu via-nos a ambos no meio de uma multidão e ele diria: "ainda não conhece a minha mulher, pois não?" a senhora de Winter, eu seria a senhora de Winter. Pessoas, muitas pessoas à nossa volta. "É simplesmente encantadora. tem de conhecê-la." E era a mim que se referiam, em surdina, no meio de toda aquela gente. Eu afastar-me-ia, fingindo não ter ouvido. 
— Qual de nós irá dar a notícia a Mrs. Van Hopper? — perguntou- me, enquanto dobrava o guardanapo e afastava o prato.  
— Preferia não ser eu. Ela vai ficar furiosa. 
Levantámo-nos da mesa. Subimos no elevador e percorremos a distância que nos separava dos aposentos de Mrs. Van Hopper. Pegou-me na mão, que fazia balançar ao ritmo dos nossos passos. 
— Acha-me muito velho com quarenta e dois anos?
— De maneira nenhuma — respondi apressadamente. — Não gosto de rapazes muito novos. 
— Mas nunca conheceu nenhum. 
Chegamos à porta dos aposentos de Mrs. Van Hopper. 
— Acho melhor encarregar-me deste assunto sòzinho. Diga-me: Tem alguma objeção a casarmos rapidamente? Com certeza não quer um enxoval ou qualquer outra coisa igualmente absurda. É que tudo se pode resolver com a maior facilidade dentro de poucos dias. Trata-se dos papéis, realiza-se a cerimónia do casamento junto à secretária de um cartório do registo civil, e depois partimos de automóvel para Veneza ou qualquer outro local que prefira. 
— Então, não nos casamos na igreja? Não me visto de noiva, nem tenho damas de honra? E os seus parentes e amigos? 
— Esquece-se que já me casei uma vez assim. 
— Tem razão. — Sorri com uma expressão alegre. — Até vai ser engraçado. 
Entramos no pequeno corredor de acesso aos aposentos.  
— És tu? — Chamou Mrs. Van Hopper da sala de estar. — Que tens andado a fazer para te teres demorado tanto? 
Invadiu-me um desejo súbito de rir e chorar ao mesmo tempo. 
— Parece-me que o culpado sou eu — respondeu ele, entrando na sala e fechando a porta atrás de si. Ouvi a exclamação de surpresa de Mrs. Van Hopper. Dirigi-me ao meu quarto e sentei-me ao pé da janela aberta. Claro que teria sido melhor, pelo menos mais natural, entrarmos ambos na sala de mãos dadas, rindo e dizendo, enquanto sorríamos um para o outro: "Amamo-nos muito. Vamos nos casar." Amamo-nos? Ele ainda não me tinha falado de amor. Talvez não tivesse tido tempo. Acontecera tudo tão depressa à mesa do café da manhã. Não me pedira em casamento como faria um homem mais novo, dizendo palavras absurdas que provavelmente não sentiria. Com certeza não me falara a mim como o fizera, pela primeira vez, a Rebecca. Não devo pensar assim. São pensamentos proibidos, inspirados por demônios. Lá estava o livro de poemas à cabeceira da minha cama. Esquecera-se de que mo havia emprestado. "Anda," segredavam os demônios. Peguei o livro. Abriu-se na primeira página. Para Max - de Rebecca. Retirei a tesoura de unha do estojo de toilette e cortei a folha. Não deixei arestas dezitadas. Sem aquela página o livro tinha um aspecto impecável. Rasguei a folha, acendi um fósforo e queimei os bocados de papel. A letra R foi a última a desaparecer, torcendo-se nas chamas, tornando-se maior que nunca. Por fim, desfez-se também; o fogo destruiu-a. Senti-me melhor, muito melhor. A porta abriu-se. Ele entrou, sorrindo.
— Está tudo resolvido — exclamou.

Você já percebeu que ela começou mal, fazendo comparações com a falecida. Antes que eu prossiga, vou falar um pouco sobre a Rebecca. A primeira Mrs. de Winter era dona de uma beleza estonteante e de uma personalidade forte. Era admirada por todos e os criados de Manderley permaneceram leais a ela mesmo depois do seu falecimento. Ela, que tinha o costume de fazer passeios solitários de barco, acabou morrendo afogada, tentando nadar em direção à praia, numa noite que seu barco afundou.

Para analisar Rebecca, eu divido o livro em três partes:
1 - O início, que, por sua vez, poderia ser dividido em duas partes:
a) Uma introdução feita em um espaço-tempo que sucede os acontecimentos do restante do livro (Essa forma de expor os fatos como lembranças, como se o livro fosse, na verdade, um grande flashback, torna a narrativa muito especial.);
b) Os fatos que precedem o retorno de Mr. de Winter a Manderley, sendo o principal deles o "namoro" da narradora com Maximiliam.

2 - O que eu chamo de Manual do que não fazer quando se casar com um viúvo. A nova Mrs. de Winter deixa-se atormentar pelo que seria o fantasma de Rebecca. Não existe um fantasma propriamente dito, embora a governanta tente assustá-la contando que, de vez em quando, ela ouve os passos da falecida pelo casarão. A heroína fica com dois conflitos: Primeiro, achando que Maxim ama mais a falecida do que a ela mesma. Esse pensamento praticamente a consome por completo. Segundo, ela se deixa levar pelos empregados da casa, que a fazem agir como a Rebecca. Então, ela passa a copiar alguns atos da falecida, o que, obviamente, não tem um resultado muito bom;

3 - A última parte. É excelente a forma como du Maurier conduz a narrativa. Na parte 1, o livro promete ser muito bom. Na parte 2, o livro entra em uma monotonia e você passa a ter certeza de que o ele não vai sair disso. Na parte 3, você é pego de surpresa e, puxado pelo pé, pensa: QUE ANGU DE CAROÇO! Então, plot twist atrás de plot twist, a promessa da primeira parte se cumpre. Prefiro não dar mais detalhes. 

Só digo mais uma coisa: Leia, pois vale a pena.