segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Desfecho de Casório?!

"Você sabe que a última coisa que uma mulher deve dizer para o homem que ama é que ela o ama!", cantava o coro na minha cabeça, e clamava: "Especialmente quando ele não está apaixonado por você. — Eu sei! — reagi, desesperada. — Mas é diferente, comigo e com Daniel. Ele é meu amigo, ele vai me tirar dessa. Vai me lembrar do quanto ele é terrível com as namoradas. "Procure outra pessoa com quem desabafar", cantava o coro grego. "O mundo está cheio de gente, por que contar logo para ele?" — Ele vai me livrar da dor, vai fazer com que eu me sinta melhor. "Mas..." — Ele é o único capaz disso — disse, com firmeza e determinação. "Você não nos engana...", cantou o coro. "Sabemos que você está aprontando alguma." — Calem a boca, não estou, não — protestei. Eu conhecia bem aquela história vitoriana. "Ele não pode descobrir, jamais, o quanto o amo, pois não suportaria que ele sentisse pena de mim." Especialmente se o cara não fosse muito legal, começasse a rir do caso e contasse a história toda aos amigos, quando eles saíssem para caçar gansos. Mas nada daquilo se aplicava a mim, decidi. Não precisava manter a dignidade com Daniel. Quando ele abriu a porta para mim, senti-me tão feliz de vê-lo que meu coração deu um pulo. Droga, pensei, então é verdade mesmo, eu realmente estou apaixonada por ele. Corri direto para os seus braços. Ser amiga dele tinha um monte de vantagens das quais eu não tinha a mínima intenção de desistir só porque ele arranjara uma namorada nova. Pendurei-me no pescoço de Daniel com toda a força, e ele, justiça seja feita, me abraçou bem apertado. Ele deve ter achado que eu estava me comportando de modo muito estranho, mas, sendo o cara decente que era, não tocou no assunto. Eu ia explicar tudo a ele logo em seguida, decidi. Por enquanto, porém, queria ficar bem ali onde estava. Ele ainda era meu amigo, eu ainda tinha o direito de ser abraçada por ele. E por alguns momentos eu podia ficar ali, fingindo que ele era meu amante. 
— Desculpe por tudo isso, Daniel, mas preciso que você seja meu amigo neste momento. 
Mentira, é claro, mas não podia dizer "desculpe por tudo isso, Daniel, mas quero me casar com você e ser a mãe dos seus filhos". 
— Eu vou ser sempre seu amigo, Lucy — murmurou ele enquanto acariciava o meu cabelo. Grande coisa!, pensei, de modo amargo, mas só por um momento. Ele era um grande amigo. Não era sua culpa que eu fosse idiota o suficiente para me apaixonar por ele. Depois de algum tempo, senti-me forte o bastante para me desembaraçar dele. 
— Então, o que há de errado com você? — perguntou-me ele. — É alguma coisa com o seu pai? 
— Ah, não, nada desse tipo. 
— Tom? 
— Quem? Ah, não, coitado do Tom, não é nada com ele. Por que as pessoas por quem não nos apaixonamos sempre se apaixonam por nós, Daniel? 
— Não sei dizer, Lucy, mas é assim que as coisas são. 
E você não sabe nem metade da história, pensei, nervosa. Tomei fôlego e disse: 
— Daniel, preciso falar com você. 
Mas quando tentei contar a ele o que havia de errado comigo, não foi tão fácil quanto imaginei que seria. Na verdade, foi esquisito e embaraçoso. A idéia romântica que eu construíra de voar nos braços dele, esperando que me beijasse e magicamente acabasse com a minha dor, se evaporara, Ele tinha uma nova namorada, pelo amor de Deus! Eu não tinha direito algum sobre ele. O que poderia falar? "Olha, Daniel, quero que você termine com a sua nova namorada"? Claro que não! 
— Hã... Lucy, o que você quer falar comigo? — perguntou, depois que os segundos começaram a passar e eu continuava sem dizer nada, Fiquei olhando para minhas mãos durante séculos, tentando achar as palavras certas. 
— Charlotte me disse que você arranjou uma namorada nova, e eu fiquei... hã... com ciúmes — consegui soltar, finalmente. Não conseguia olhar para ele nos olhos e me encolhi toda. Talvez contar aquilo a ele não fosse uma boa idéia. Talvez fosse uma péssima idéia. Eu não devia ter ido até lá. Compreendi que só podia estar doída. Devia ter ido para a cama e esperado, quieta. A dor ia acabar passando. — Só porque ela é baixinha e tem cabelo escuro — acrescentei, depressa, em uma tentativa de recuperar um pouco do terreno e da dignidade perdida. Eu estava errada a respeito da dignidade: precisava manter a minha com ele. 
— Não tenho problemas quando você transa com louras peitudas, mas fico me lembrando o tempo todo daquela noite na casa do meu pai, quando você me dispensou e fiquei achando que era porque eu não era o seu tipo. Não me senti muito bem quando Charlotte contou que a garota nova que você conheceu se parecia um pouco comigo, porque fiquei pensando... O que havia de errado comigo naquela noite, então?... 
— Ah, Lucy. — Ele deu uma espécie de risada. Estava rindo de mim ou para mim? Aquilo era bom ou mau? — Acho que a Sascha realmente se parece um pouco com você — disse ele. — Eu nem tinha reparado, mas, agora que você mencionou o fato... 
Sascha. Tinha de ser um nome assim. Por que ela não podia se chamar Madge? 
— Enfim, era isso que havia de errado comigo — disse, falando depressa, em uma tentativa atrasada de recuperar o terreno perdido. — Nada de importante, reagi com exagero ao fato, como sempre. Você sabe como é que sou. Bem, de qualquer modo, foi bom desabafar. Agora, tenho que ir andando... Levantei-me para ir embora, e se tivesse saído naquela hora, naquele segundo, teria evitado a chegada da minha raiva. Mas não, acabamos nos encontrando bem na porta, e ela chegou cambaleando, suada e ofegante, cansada da longa jornada do outro lado da cidade. "Desculpe por ter me atrasado", disse ela, quase sem fôlego, apertando o peito. "O engarrafamento estava horrível! Mas, agora, cheguei!...", e, com isso, girei o corpo e fiquei de frente para Daniel, furiosa, dizendo: 
— Você podia ter me contado, sabia, que tinha arranjado uma namorada nova. Em vez de ficar me dando aqueles conselhos todos, aquela... bosta toda — joguei na cara dele — ... me dizendo que eu precisava começar a sair mais. Bastava apenas me avisar que eu estava atrasando o seu lado e que a Sascha precisava de você mais do que eu. Eu teria compreendido, sabia? Ele abriu a boca para falar alguma coisa, mas não deixei. — Se você me queria fora do seu caminho, era só falar. Você acha que eu ia me importar, que ia ficar cheia de ciúmes? Que presunção a sua! Você se acha lindo, não é? Acha que toda mulher é louca por você. Mais uma vez, ele tentou falar alguma coisa, parecia estar balançando a cabeça, tentando negar alguma coisa, mas ele não tinha a mínima chance. — Nós éramos para ser amigos, sabia, Daniel? Como é que você pôde fazer isso, ficar fingindo que estava preocupado comigo? Que se importava comigo? 
— Mas... 
— Quando é óbvio que a única pessoa com quem você se importa é com você mesmo! 
Essa é a parte, na maior parte das brigas, em que a troca de insultos aos berros se transforma em um lamentar choroso. E aquela não foi exceção. Dava para acertar o relógio de tanta precisão. Minha voz começou a vacilar, quase no final da escala de firmeza, e compreendi que estava perigosamente próxima de cair no choro. Mesmo assim, não fui embora. Como uma idiota, fiquei ali, parada, na esperança de que ele pudesse ser legal comigo, de que pudesse me dizer algo que fizesse com que eu me sentisse melhor. 
— Eu não estava fingindo — protestou ele. — Eu estava preocupado de verdade com você. Odiei aquele olhar de pena que senti em seus olhos. 
— Bem, pois não precisava — disse, com grosseria. — Sei cuidar de mim muito bem sozinha.
— Sabe mesmo? — Ele me pareceu pateticamente esperançoso, Que ousadia! 
— Claro que sei! — joguei na cara dele. 
— Isso é ótimo — disse ele. 
Como é que ele podia ser tão cruel?, perguntei a mim mesma, sentindo a dor me cortar ao meio. Era fácil para ele, compreendi, então. Muito fácil. Ele já havia feito isso um monte de vezes, com um monte de mulheres, por que eu receberia tratamento especial? 
— Adeus, Daniel! Espero que as coisas corram muito bem para você e a sua maravilhosa Sascha — disse eu, com sarcasmo. 
— Obrigado, Lucy, e desejo também toda a sorte do mundo para você e o seu rico Tom. 
— E por que você está sendo assim tão desagradável agora? — perguntei, surpresa. 
— Qual é o seu palpite a respeito? — Sua voz de repente aumentou em vários decibéis. 
— E como é que posso saber? — berrei de volta. — Acha que é a única que pode ter ciúmes? — gritou ele. Parecia furioso. 
— Sei que não — disse eu. — Só que, para ser franca, Daniel, não estou dando a mínima para os ciúmes de Karen neste instante. 
— Mas de que diabos você está falando? — perguntou ele. — Eu estou falando de mim, Estou louco de ciúmes também! Passei meses e meses esperando pelo momento certo, esperando que você conseguisse superar os problemas com o seu pai. Fiz tudo o que pude para impedir a mim mesmo de dar uma cantada em você. Tive tanta paciência que só faltava me matar. 
E fez uma pausa para tomar fôlego. Fiquei olhando para ele, sem conseguir falar. Antes de conseguir colocar tudo o que sentia para fora, ele começou a gritar de novo: 
— E então! — ele rugiu na minha cara. — E então, quando finalmente consegui convencer você de que já estava na hora de voltar a ter um relacionamento com um homem, você vai e sai com outro cara! Eu queria dizer que era eu. Queria que você pensasse em ter um relacionamento comigo, e, em vez disso, um cara riquinho, sortudo de uma figa, se dá bem com você. 
Minha cabeça girava enquanto eu tentava absorver tudo aquilo. 
— Espere um instante, dá um tempo aqui. Por que você está dizendo que Tom é um sortudo de uma figa? — perguntei. — Só porque ele é rico? 
— Não! — berrou Daniel. — Porque ele está saindo com você, é claro! 
— Mas ele não está saindo comigo — reagi. — Saí com ele apenas uma vez, e fiz isso só para deixar você chateado. Não que tenha funcionado. 
— Não que tenha funcionado? — soltou Daniel. — É claro que funcionou! Tomei um porre tão grande no domingo à noite que fiquei de ressaca na segunda e não fui nem trabalhar. 
— Sério? — perguntei, momentaneamente distraída pela informação. — Você ficou assim, tipo vomitando? Ficou assim tão mal? 
— Não consegui comer nada até terça à noite — disse ele. 
Houve um pequeno silêncio e, por um momento, éramos apenas Daniel e Lucy novamente. 
— E que lance foi aquele mesmo de você querer passar uma cantada em mim? — perguntei. 
— Nada, esqueça aquilo — disse ele, com a cara amarrada. 
— Conte logo! — berrei. 
— Não há nada a contar — murmurou ele. — É que simplesmente era muito difícil manter minhas mãos longe de você, mas eu sabia que era o que eu devia fazer, porque você estava vulnerável demais. Se alguma coisa tivesse acontecido entre nós naquele momento, eu ficaria eternamente achando que você tinha topado apenas por estar confusa. — Foi por isso que vim com aquele papo de trazer você de volta para o mundo dos vivos — continuou ele. — Queria que estivesse com a cabeça clara e tivesse condições de tomar decisões por si mesma, para que quando eu a convidasse para sair, e você aceitasse, eu não sentisse que estava me aproveitando da situação. 
— Me convidar para sair? — perguntei, cautelosa. 
— Para sair, para sair — disse Daniel, meio tímido. — Assim, feito namorado e namorada. 
— Sério? — perguntei. — Tá falando sério? Então aquele papo todo de que eu devia conhecer gente nova não era só para me tirar do caminho para a Sascha entrar? 
— Não. — Mas, então, quem é essa tal de Sascha, afinal? — perguntei, com ciúmes. 
— Uma garota do meu trabalho. 
— E ela é parecida comigo? 
— Acho que faz lembrar você um pouco. Embora ela não chegue nem perto de ser tão maravilhosa quanto você — comentou ele, de passagem. — Nem tão engraçada, nem tão sexy, nem tão linda ou inteligente. 
Fiquei sentada, muito quieta. Aquilo estava prometendo. Mas não o bastante. 
— Há quanto tempo você vem saindo com ela? — perguntei. 
— Mas eu não estou saindo com ela! — Ele pareceu chateado. — Mas a Charlotte disse que... 
— Por favor! — Daniel colocou a mão na testa, como se estivesse com dor de cabeça. — Aposto que Charlotte falou um monte de coisas, e você sabe o quanto gosto dela, mas nem sempre ela entende as coisas do jeito certo. 
— Então você não está saindo com a Sascha? — perguntei. 
— Não. 
— E por que não está? 
— Achei que não seria certo sair com ela sabendo que estou apaixonado por você. 
Meu cérebro entrou em estado de choque. As palavras chegaram muito antes dos sentimentos.  
— Oh... — disse eu, surpresa. Não conseguia achar nada para dizer. Para mim já teria sido bom o bastante se ele dissesse que gostava de mim. Nossa, isso era demais! 
— Eu não devia ter dito isso. — Daniel pareceu arrasado. 
— Por que não? Não é verdade? 
— É claro que é verdade! Não saio por aí dizendo para um monte de mulheres, a torto e a direito, que estou apaixonado por elas. Só que não quero deixar você assustada. Por favor, Lucy, esqueça o que falei. 
— Não esqueço não — disse, irritada. — Essa é a coisa mais legal que alguém já falou para mim. 
— É mesmo? — perguntou ele, esperançoso. 
— Quer dizer que você também... 
— Sim, sim... — E abanei a mão, distraída. Queria um tempinho para me concentrar no que ele me dissera. Não podia ficar dando atenção a ele. — Eu amo você também — acrescentei. — Acho que o amo há séculos. 
Felicidade e alívio começaram a me formigar por dentro, aumentando de intensidade até se transformar em um fluxo constante, para finalmente jorrar como se estivesse escorrendo por um cano quebrado. Mas eu precisava ter certeza. 
— Você está mesmo apaixonado por mim? — perguntei, meio desconfiada. 
— Ai, meu Deus, estou! 
— Desde quando? 
— Há muito tempo. 
— Desde a época do Gus? 
— Desde muito antes do Gus. 
— E por que você nunca me contou isso? 
— Porque você ia se acabar de tanto rir, ia me zoar, me humilhar e... 
— Eu não faria isso — repliquei, ofendida. 
— Ah, faria sim. 
— Faria? 
— Sim, Lucy. 
— É... talvez fizesse mesmo — concordei, relutante. — Puxa, desculpe, Daniel — precisava me desculpar muito com ele —, mas eu tinha que ser má e implicante com você, porque você é atraente demais! E isso é um elogio — acrescentei. 
— Sério? — perguntou ele. — Mas todos os caras com quem você saía eram completamente diferentes de mim. Como é que eu podia competir com um cara como o Gus? 
Ele tinha razão. Até há bem pouco tempo eu não suportaria um namorado que não tivesse um terrível problema de falta de grana e não bebesse demais. Refleti um pouco mais sobre isso. 
— Você está mesmo, de verdade, apaixonado por mim, Daniel? 
— Sim, Lucy. 
— Não, estou falando apaixonado a sério? 
— Sim, a sério. 
— Bem, nesse caso, será que podemos ir para a cama?

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