domingo, 26 de agosto de 2012

Rebecca, de Daphne du Maurier

É obrigação de todo bookaholic que se preze ler o livro que tenha como título o seu nome, pelo menos o mais famoso deles. De início, relutei para ler o clássico de Daphne du Maurier. Isso porque até então eu tinha lido sinopses muito ruins, que davam a impressão de se tratar de uma história de fantasmas, suicídio, mansão mal-assombrada e tudo o mais. Um tempo depois, minha vontade de ler um livro com meu nome superou essa má impressão, então, comprei o livro e comecei a ler.

A história se passa na primeira metade do século XX. Os primeiros capítulos fazem parecer que o livro vai ser realmente bom. A heroína, que é a própria narradora, se apresenta gradualmente: uma inglesa sem nome (a autora preferiu não mostrar o nome verdadeiro da personagem, que apenas menciona que seu nome é frequentemente escrito de maneira errada), que trabalha como uma espécie de dama-de-companhia para uma mulher desagradável, Mrs. Van Hopper. Ficamos sabendo que nossa heroína é relativamente pobre, não tem o que se possa chamar de família e tem 21 anos. A história então, começa a se desenrolar.

Viajando pela França com Mrs. Van Hopper, a nossa heroína sem nome conhece o Mr. de Winter, um viúvo todo misterioso de 42 anos, bonito e muito rico, que coincidentemente estava hospedado no mesmo hotel que elas. Eles começam a sair juntos, sem que Mrs. Van Hopper saiba, aproveitando alguns dias em que esta esteve doente. Um belo dia, tendo sua saúde reestabelecida, de repente, não mais que de repente, a mulher decide ir para Nova Iorque. Levando a dama-de-companhia, obviamente. Temos, então, aquele choradeira toda, tadinha de mim, vou ficar longe do meu amor, etc etc.

O dia seguinte chega e, para piorar,  Mrs. Van Hopper decide antecipar a passagem de trem. E que tortura para nossa heroína! Mrs. Van Hopper manda ela mesma fazer isso. Desesperada, a pobrezinha sai do quarto da Mrs. Van Hopper e vai direto para o quarto do Mr. de Winter. Uma mocinha sozinha em um quarto de hotel com um viúvo na década de 1930? Apesar de inexpressiva, um pouco de ousadia nossa heroína tem. Confesso que ri bastante nessa parte. De um lado ela, muito nervosa, tendo que lidar com a separação e, ainda, com muita pressa, porque a intenção dela era somente se despedir; de outro, ele, muito calmo, deixa claro não estar nem com um pingo de pressa e praticamente dá um chá de cadeira nela.

Nesse caso, libertar-me-ia de todo o constrangimento e recato. Atirei com a porta da sala e subi apressadamente as escadas até ao terceiro andar. Sabia o número do quarto dele. Era o 148. Bati à porta insistentemente, muito corada e ofegante. 
— Entre! — gritou. 
Abri a porta, sentindo que a coragem me abandonava. Estava a barbear-se, junto da janela aberta. Tinha um casaco de pêlo de camelo sobre o pijama. Senti-me mal vestida com o meu fato de flanela de lã e os sapatos grossos. Não passara de uma tonta quando dramatizara a situação. 
— Que quer? — perguntou. — Aconteceu alguma coisa? 
— Venho dizer-lhe adeus. Partimos hoje de manhã. Ficou a olhar para mim. Depois, colocou a máquina de barbear no lavatório: 
— Que está a dizer? — É verdade. Partimos hoje. Estava combinado que seguiríamos no segundo trem, mas Mrs. van hopper agora quer apanhar o primeiro. Receei não poder voltar a vê-lo. 
As palavras atropelavam-se umas às outras: 
— A nossa partida foi decidida ontem. A filha embarca para Nova Iorque no sábado e nós vamos acompanhá-la na sua viagem. 
— Mrs. van hopper vai levá-la para nova iorque? 
— Sim, e contra a minha vontade. Vou detestar tudo aquilo. 
— Então, porque diabo vai com ela? 
— Bem sabe que tenho de ir. Preciso trabalhar. 
— Sente-se, — ordenou-me. — não me demoro. Vou vestir-me no banheiro. 
Pegou a roupa, que estava numa cadeira, atirou-a para o chão do banheiro e entrou batendo com a porta. Dentro de cinco minutos estava pronto. 
— Venha comigo até ao terraço enquanto tomo o café da manhã — disse. 
Olhei para o relógio. — Não tenho tempo — respondi. 
— Não se preocupe com isso. Preciso lhe falar. 
Descemos no elevador e saímos para o terraço, onde havia mesas preparadas para o café da manhã. 
— Que quer tomar? — perguntou-me. 
— Nada, obrigada. já tomei o meu café da manhã. 
— Traga-me café, um ovo cozido, torradas e uma tangerina — ordenou ao criado. Depois virou-se para mim: 
— Então, quer dizer que Mrs. Van Hopper quer voltar à sua terra. Eu também. Ela para Nova Iorque, eu para Manderley. Qual prefere? Pode escolher. 
— Não brinque, é desleal. 
— Se pensa que sou daquelas pessoas que tentam fazer-se engraçadas ao café da manhã, está enganada — prosseguiu. — Repito: Ou vai para a América com Mrs. Van Hopper ou vem comigo para Manderley. 
— Quer dizer que precisa de uma secretária ou qualquer coisa semelhante? 
— Não, estou a pedir-lhe em casamento, sua boba. 
O criado apareceu com o café da manhã. Sentei-me com as mãos no colo. 
— Não compreende — retomei quando o criado se afastou — que não sou a espécie de pessoa com quem um homem queira casar? 
— Que diabo quer dizer com isso? — perguntou, olhando-me fixamente. 
— Não sei bem — respondi lentamente. — Por exemplo, não pertenço ao seu meio. 
— Qual é o meu meio? 
— Bem... Manderley. Sabe o que eu quero dizer, não é verdade? 
Ele serviu-se da compota. — Sou eu que devo decidir se pertence a Manderley ou não. Pensa que lhe estou a falar neste assunto forçado pelos acontecimentos, não é verdade? Porque sei que não quer ir para Nova Iorque. Julga que lhe peço que case comigo pela mesma razão pela qual imaginava que a levava a passear de automóvel, ou seja, por caridade, não é assim? 
— É verdade. 
— Um dia — continuou, barrando bem as torradas, — compreenderá que a filantropia não é uma das minhas qualidades básicas. Mas não respondeu à minha pergunta. quer casar comigo? 
Nunca considerara esta hipótese, nem mesmo nos momentos em que imaginava as coisas mais absurdas. Uma vez, durante um dos nossos passeios, começara a arquitectar uma história desconexa onde ele aparecia muito doente, penso que a delirar. Mandava-me então chamar e eu ia tratá-lo na sua doença. estava precisamente na altura em que eu lhe perfumava a cabeça com água-de-colónia quando chegámos ao hotel, ficando assim interrompida a minha história. Esta súbita alusão a casamento aturdia-me, penso mesmo que quase me escandalizava. Era como se um príncipe pedisse a minha mão. Soava falso. Nos romances, os homens ajoelhavam-se aos pés das mulheres e havia luar. Estas coisas não aconteciam no café da manhã e nunca desta maneira. 
— Parece-me que não lhe agrada muito a minha sugestão. — acrescentou. — Peço desculpa mas pensei que gostasse de mim. Sinto-me ferido no meu amor-próprio. 
— Mas eu gosto de si, gosto terrivelmente. Chorei toda a noite, sentindo-me muito infeliz, a pensar que não voltaria a vê-lo. 
Ao ouvir-me riu-se e estendeu-me a mão. — Deus a abençoe pelo que disse. É uma pena que tenha de crescer. 
Senti-me envergonhada e também zangada com o seu riso. Quer dizer que as mulheres adultas não diziam estas coisas aos homens. 
— Então está resolvido, não é verdade?  — perguntou-me enquanto continuava a tomar o café da manhã. — Em vez de servir de companhia a Mrs. Van Hopper faz companhia a mim. Tal como ela, também gosto de requisitar livros novos nas bibliotecas, de flores na sala e de jogar o besigue depois de jantar: e de alguém para me servir o chá. 
Eu tamborilava com os dedos sobre a mesa, sentindo-me indecisa tanto por mim, como por ele. Levantou os olhos e notou a ansiedade que transparecia no meu rosto. 
— Estou sendo um pouco rude, não acha? Este pedido de casamento não aconteceu, de maneira alguma, como imaginara nos seus sonhos. Devíamos estar num jardim-de-inverno. O seu vestido seria branco e teria uma rosa na mão. Ouvir-se-ia um violino tocar uma valsa cujos acordes se perdiam na distância. E, abraçando-a, beijá-la-ia apaixonadamente junto de uma palmeira. Pobre querida! Não se preocupe. Iremos a Veneza passar a nossa lua-de-mel e, de mãos dadas, deslizaremos numa gôndola pelos canais. Mas não ficaremos lá por muito tempo, pois quero mostrar-lhe Manderley. 
Desejava mostrar-me Manderley... E subitamente compreendi que tudo isto ia acontecer. Seria a sua mulher. Juntos percorreríamos o jardim, lado a lado desceríamos vagarosamente a vereda que conduzia à praia. Dei, por fim, livre curso à imaginação. Vultos tomaram forma no meu espírito. As mais variadas cenas perpassaram diante dos meus olhos. E durante todo este tempo, ele continuava a comer uma tangerina, dando-me um gomo de vez em quando e perscrutando o meu rosto. Eu via-nos a ambos no meio de uma multidão e ele diria: "ainda não conhece a minha mulher, pois não?" a senhora de Winter, eu seria a senhora de Winter. Pessoas, muitas pessoas à nossa volta. "É simplesmente encantadora. tem de conhecê-la." E era a mim que se referiam, em surdina, no meio de toda aquela gente. Eu afastar-me-ia, fingindo não ter ouvido. 
— Qual de nós irá dar a notícia a Mrs. Van Hopper? — perguntou- me, enquanto dobrava o guardanapo e afastava o prato.  
— Preferia não ser eu. Ela vai ficar furiosa. 
Levantámo-nos da mesa. Subimos no elevador e percorremos a distância que nos separava dos aposentos de Mrs. Van Hopper. Pegou-me na mão, que fazia balançar ao ritmo dos nossos passos. 
— Acha-me muito velho com quarenta e dois anos?
— De maneira nenhuma — respondi apressadamente. — Não gosto de rapazes muito novos. 
— Mas nunca conheceu nenhum. 
Chegamos à porta dos aposentos de Mrs. Van Hopper. 
— Acho melhor encarregar-me deste assunto sòzinho. Diga-me: Tem alguma objeção a casarmos rapidamente? Com certeza não quer um enxoval ou qualquer outra coisa igualmente absurda. É que tudo se pode resolver com a maior facilidade dentro de poucos dias. Trata-se dos papéis, realiza-se a cerimónia do casamento junto à secretária de um cartório do registo civil, e depois partimos de automóvel para Veneza ou qualquer outro local que prefira. 
— Então, não nos casamos na igreja? Não me visto de noiva, nem tenho damas de honra? E os seus parentes e amigos? 
— Esquece-se que já me casei uma vez assim. 
— Tem razão. — Sorri com uma expressão alegre. — Até vai ser engraçado. 
Entramos no pequeno corredor de acesso aos aposentos.  
— És tu? — Chamou Mrs. Van Hopper da sala de estar. — Que tens andado a fazer para te teres demorado tanto? 
Invadiu-me um desejo súbito de rir e chorar ao mesmo tempo. 
— Parece-me que o culpado sou eu — respondeu ele, entrando na sala e fechando a porta atrás de si. Ouvi a exclamação de surpresa de Mrs. Van Hopper. Dirigi-me ao meu quarto e sentei-me ao pé da janela aberta. Claro que teria sido melhor, pelo menos mais natural, entrarmos ambos na sala de mãos dadas, rindo e dizendo, enquanto sorríamos um para o outro: "Amamo-nos muito. Vamos nos casar." Amamo-nos? Ele ainda não me tinha falado de amor. Talvez não tivesse tido tempo. Acontecera tudo tão depressa à mesa do café da manhã. Não me pedira em casamento como faria um homem mais novo, dizendo palavras absurdas que provavelmente não sentiria. Com certeza não me falara a mim como o fizera, pela primeira vez, a Rebecca. Não devo pensar assim. São pensamentos proibidos, inspirados por demônios. Lá estava o livro de poemas à cabeceira da minha cama. Esquecera-se de que mo havia emprestado. "Anda," segredavam os demônios. Peguei o livro. Abriu-se na primeira página. Para Max - de Rebecca. Retirei a tesoura de unha do estojo de toilette e cortei a folha. Não deixei arestas dezitadas. Sem aquela página o livro tinha um aspecto impecável. Rasguei a folha, acendi um fósforo e queimei os bocados de papel. A letra R foi a última a desaparecer, torcendo-se nas chamas, tornando-se maior que nunca. Por fim, desfez-se também; o fogo destruiu-a. Senti-me melhor, muito melhor. A porta abriu-se. Ele entrou, sorrindo.
— Está tudo resolvido — exclamou.

Você já percebeu que ela começou mal, fazendo comparações com a falecida. Antes que eu prossiga, vou falar um pouco sobre a Rebecca. A primeira Mrs. de Winter era dona de uma beleza estonteante e de uma personalidade forte. Era admirada por todos e os criados de Manderley permaneceram leais a ela mesmo depois do seu falecimento. Ela, que tinha o costume de fazer passeios solitários de barco, acabou morrendo afogada, tentando nadar em direção à praia, numa noite que seu barco afundou.

Para analisar Rebecca, eu divido o livro em três partes:
1 - O início, que, por sua vez, poderia ser dividido em duas partes:
a) Uma introdução feita em um espaço-tempo que sucede os acontecimentos do restante do livro (Essa forma de expor os fatos como lembranças, como se o livro fosse, na verdade, um grande flashback, torna a narrativa muito especial.);
b) Os fatos que precedem o retorno de Mr. de Winter a Manderley, sendo o principal deles o "namoro" da narradora com Maximiliam.

2 - O que eu chamo de Manual do que não fazer quando se casar com um viúvo. A nova Mrs. de Winter deixa-se atormentar pelo que seria o fantasma de Rebecca. Não existe um fantasma propriamente dito, embora a governanta tente assustá-la contando que, de vez em quando, ela ouve os passos da falecida pelo casarão. A heroína fica com dois conflitos: Primeiro, achando que Maxim ama mais a falecida do que a ela mesma. Esse pensamento praticamente a consome por completo. Segundo, ela se deixa levar pelos empregados da casa, que a fazem agir como a Rebecca. Então, ela passa a copiar alguns atos da falecida, o que, obviamente, não tem um resultado muito bom;

3 - A última parte. É excelente a forma como du Maurier conduz a narrativa. Na parte 1, o livro promete ser muito bom. Na parte 2, o livro entra em uma monotonia e você passa a ter certeza de que o ele não vai sair disso. Na parte 3, você é pego de surpresa e, puxado pelo pé, pensa: QUE ANGU DE CAROÇO! Então, plot twist atrás de plot twist, a promessa da primeira parte se cumpre. Prefiro não dar mais detalhes. 

Só digo mais uma coisa: Leia, pois vale a pena.

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